Carta da Plenária LGBTQI ao Fórum Social Mundial 2018

Sem LGBTQIfobia e qualquer outra opressão, outro mundo é possível!

Nós, travestis, transexuais, lésbicas, gays, bissexuais e intersexos, temos participado do Fórum Social Mundial desde sua primeira edição em Porto Alegre, em 2001. Sabemos que a luta contra as discriminações por identidade de gênero e de orientação sexual é parte da luta contra as opressões e não terá êxito se não estiver inserida diariamente nas lutas contra os machismos, os racismos, as xenofobias e todas as formas correlatas de intolerância, e pela superação da dominação da humanidade pelo mercado e pelo capital. Ao mesmo, tempo, os movimentos que lutam pela superação das desigualdades sociais e contra a exploração no mundo do trabalho devem reconhecer a centralidade estratégica de nossas lutas num projeto de emancipação da humanidade. 

A resposta das classes dominantes à crise de 2008 é o aprofundamento do projeto neoliberal por todo o planeta, com o agravamento dos ataques aos direitos sociais e a classe trabalhadora. As teses do estado mínimo e dos ajustes fiscais, com cortes de recursos para educação, saúde, cultura, assistência e demais políticas sociais, são outra face desta agressão que implica concretamente em negação de nossos direitos. É um braço do neoliberalismo o fascismo recrudescendo os conservadorismos de todo tipo.

O imperialismo também avança em sua sanha golpista na América Latina e seus governos neoliberais, com raras exceções, adotam medidas anti povo, de redução de direitos sociais e de criminalização dos movimentos sociais, enquanto os movimentos sindicais, sociais e populares tentam organizar a resistência e o enfrentamento a tais ações e em defesa dos povos. E a intervenção federal no RJ é uma das marcas da crescente militarização dos governos neoliberais do continente e deve ser denunciada como um instrumento de extermínio das populações que são descartáveis ao capital como a juventude negra, pobre e das periferias, e população LGBTQI, em especial travestis e transexuais.

Ao lado dos ataques do neoliberalismo o cenário mundial em relação às pessoas LGBTQI, apesar de alguns avanços institucionais localizados, mostra uma preponderância do preconceito e da discriminação. Mais de 70 países criminalizam as pessoas LGBTQI, alguns inclusive com a pena de morte, e é crescente a articulação de setores religiosos conservadores em oposição ao reconhecimento de direitos para o segmento LGBTQI. Um dos instrumentos dos ataques destes setores às demandas LGBTQIs e feministas é o combate à inventada “ideologia de gênero”, sob cujo espantalho tem sido aprovadas normatizações que visam impedir que a educação tenha abordagens voltadas à igualdade de gênero, bem como à diversidade sexual, assim como qualquer avanço de direitos e empoderamento no campo de gênero, o que atinge não só a população Trans, mas todas as mulheres e LGBTQI+.

A Plenária LGBTQI do Fórum Social Mundial considera que uma de nossas principais tarefas neste momento é a defesa da democracia e do estado democrático de direito, pois esta é uma condição até mesmo para a preservação de nossas vidas, já que o aprofundamento dos estados de exceção legitimam assassinatos como os de Santiago Maldonado na Argentina e da companheira Marielle Franco no Brasil. É preciso erguer a voz para denunciar estes assassinatos como afrontas a qualquer possibilidade de vida democrática, bem como proclamar que as tentativas do governo e tribunais golpistas de impedir o ex-Presidente Lula de ser candidato são uma continuidade do golpe que depôs a Presidenta Dilma Rousseff. Dizemos ao lado de todo o povo: não à prisão de Lula, prisão sem crime é anticonstitucional.

Acreditamos que nossas agendas de lutas devem ser norteadas pelo reconhecimento de que como pessoas LGBTQI somos também negras e negros, jovens, da terceira idade, população em situação de rua, encarceradxs, pessoas com deficiência, e outros marcadores sociais que podem ampliar nossos níveis de vulnerabilidade social. E essa condição exige uma defesa firme do direito à saúde integral LGBT, e a denúncia de que a epidemia de HIV/Aids, que continua a avançar principalmente entre a população mais jovem, permanece como uma grave questão de saúde pública e social, com desafios exacerbados pelos desmontes das políticas públicas de saúde e de atenção às pessoas vivendo com HIV, e em relação aos quais precisamos resistir.

Os movimentos LGBTQI defendem as plataformas de reconhecimento legislativo de seus direitos em todo o mundo, e da mesma forma como temos proclamado que homossexualidade não é “doença” para ser “curada”, exigimos em todo o mundo a despatologização das identidades trans, pois o que deve prevalecer neste direito à identidade é a auto declaração.

Indicamos a todas as pessoas LGBTQI nos países que viverão processos eleitorais, que busquem a construção de plataformas e candidaturas LGBTQIs efetivamente comprometidas com nossas bandeiras de luta.

Reivindicamos junto à organização do Fórum Social Mundial nosso reconhecimento como movimento social efetivamente comprometido com estas bandeiras de um novo mundo. Para isso, estamos constituindo um Grupo de Trabalho LGBTQI do FSM, a partir das redes e organizações que convocaram nossa Plenária e demais participantes, e desejamos intensificar e formalizar esta participação. E reafirmamos a consigna desde 2001: sem LGBTQIfobia e qualquer outra opressão, outro mundo é possível!

É preciso lutar, resistir, criar, TransFormar para defender a soberania e a liberdade dos povos e principalmente o planeta e a vida com dignidade para todas todos sem qualquer discriminação ou violação de direitos. 

Observação: esta Carta é subscrita pelas redes e organizações que convocaram a Plenária LGBTQI do FSM, bem como as pessoas que dela participaram.

ABGLT, ABL - Articulação Brasileira de Lésbicas, Antra - Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Artgay, ArtJovem LGBT, Candaces, FONATRANS-Forum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, Fórum Nacional de Juventude Negra, LIGA BRASILEIRA DE LÉSBICAS - RS, Rede Afro LGBT, Rede Sapatá, Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil, RNP + e União Nacional LGBT.

NOTA DE FALECIMENTO: NEIDE RODRIGUES, SECRETÁRIA EXECUTIVA DO CNS, DEIXARÁ SAUDADE

É com pesar que o Conselho Nacional de Saúde (CNS) comunica o falecimento de nossa secretária-executiva, Neide Rodrigues, na manhã de sábado (24/03/2018), em Brasília. Neide foi acometida por uma parada cardíaca. Nossa solidariedade aos amigos, familiares, colaboradores do CNS e companheiros de luta, que tiveram a honra de conviver ao lado de um exemplo de resistência e compromisso com o controle social brasileiro.


Neide assumiu a secretaria-executiva do CNS, órgão vinculado ao Ministério da Saúde (MS), em 2016, desde então vinha desempenhando um excelente trabalho na gestão técnica e política do conselho, dando encaminhamento às recomendações, moções, resoluções e deliberações dos conselheiros e conselheiras nacionais de saúde. Seu falecimento aconteceu dois dias após o falecimento de João Palma, outro importante companheiro de luta, que antecedeu a gestão de Neide na secretaria-executiva. Duas perdas que ficarão na memória.
Neide era filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), trabalhou no Departamento de Assistência Farmacêutica do MS e no gabinete do ex-ministro da saúde Alexandre Padilha. Tinha graduação em Administração pelo Instituto de Educação e Ensino Superior de Samambaia (Iesa) e pós-graduação em Bioética pela Universidade de Brasília (UnB). Além da organização das diversas agendas de luta do CNS, a secretária vinha participando de encontros pelo país com o objetivo de compartilhar a experiência da secretaria em âmbito nacional. “É importante fazermos essa aproximação com os estados e municípios. Nosso papel é fundamental para o funcionamento dos conselhos, nós damos encaminhamento às deliberações”, dizia.
A secretária executiva tinha 55 anos, deixa três filhos e uma rede de amigos e companheiros de militância. Sua contribuição por uma saúde pública e de qualidade para todos os brasileiros e brasileiras foi fundamental e continuará reverberando em nossas práticas e desafios em defesa dos direitos da população e do Sistema Único de Saúde (SUS). A secretária executiva do CNS será lembrada como uma mulher firme, que não tinha medo de lutar pelo que acreditava com o objetivo de fortalecer a participação social no Brasil. Toda nossa solidariedade aos conselheiros e conselheiras diante desta perda.
Conselho Nacional de Saúde