Lei 10.639 – Educar para a Igualdade


Lei 10.639 – Educar para a Igualdade

Segundo o psiquiatra Frantz Fanon, “O negro nunca foi tão negro quando a partir do momento em que foi dominado pelos brancos" (Fanon, 1983:212).
No Congresso Mundial de Combate ao Racismo e Intolerâncias Correlatas, realizado em 2001 em Durban na África do Sul, foi pensado a problemática das populações africanas e da diáspora em relação à educação, sendo um dos eixos preocupantes, o ensino e pesquisas universitárias. Nas conclusões temos nos percursos da reprodução universitária, tanto na transmissão de conhecimento como na pesquisa, maior sentido ao suporte do desenvolvimento desigual entre as populações de um mesmo país e entre países de uma mesma região ou de regiões distintas do que à produção de soluções das desigualdades sócio-econômicas. Em muitas áreas, a universalização acadêmica conspira ou desconhece as culturas locais, provocando ruptura de identidades culturais e desrespeito ou desconsideração aos conhecimentos das populações. (CUNHA JUNIOR, Henrique.)
Esta observação não pôde passar despercebida também no Brasil, já que somos brasileiros e descendentes de encontros e desencontros de diversos grupos étnicos ameríndios, europeus e africanos; temos uma dupla responsabilidade já que, a história da África e do Brasil são muito próximas. “os africanos não foram criados por autogênese nos navios negreiros e nem se limitam em África à simplista e difundida divisão de bantos ou sudaneses. Devemos conhecer a África para, não apenas dar notícias aos alunos, mas internalizá-la neles”.1
No Brasil as formulações produzidas por intelectuais negros contemporâneos da Frente Negra Brasileira, surgida na década de 1930, a educação sempre ocupou destaque na agenda do movimento negro brasileiro.
Sempre foram tímidas as tentativas de leis na área da educação que possibilitasse a promoção da população brasileira, em 1941, foi assinada uma lei que proibia formalmente a veiculação de preconceito de raça ou cor por meio de livro didático. Essa foi uma das primeiras manifestações do estado brasileiro ao que diz respeito ao desempenho do sistema de ensino na reprodução do racismo, do preconceito e da discriminação raciais.
Porém, isto não impediu que durante anos autoridades e a academia da área de educação refutassem qualquer debate sobre este tema, o de contemplar a diversidade racial brasileira.
Com o passar dos anos foram produzidas pela organização do movimento negro brasileiro e algumas tímidas produções na área acadêmica sobre o conhecimento da diversidade humana e, mesmo assim, ficaram excluídas do currículo escolar; assim pode-se concluir como, inaceitável que o ensino de história, literatura, geografia, artes, entre outras, não abarque a participação de diferentes grupos formadores da nacionalidade brasileira, com destaque, o contingente negro. ( publicação CEERT 2004/2005,p.11)
Caminhando ao encontro destas demandas, foi aprovada a lei 10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (lei 0.394/96). Em seu artigo 26 ao instituir a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras em todas as instituições de educação básica. Essa lei foi promulgada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003 e regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação em junho de 2004.
Foi necessário que o Estado brasileiro adotasse a lei 10.639/2003, para que os gestores da educação atentassem para a relevância do estudo da África e da cultura afro – brasileira, num sistema de ensino cuja metade da clientela é composta por descendentes africanos. (Publicação CEERT 2004/2005, p.11)
Agora não podemos esquecer o imenso esforço dos educadores negros e brancos para empreenderem a valorização da diversidade e da promoção da igualdade racial em sala de aula, que antes mesmo de haverem produções teóricas, mas observando a insistência do movimento negro a estas produções, acabaram sensibilizando-os e engajando, milhares de professores pelo país, onde já se ocupavam no enfrentamento do racismo e da discriminação racial, antes mesmo de qualquer aprovação da lei.
Foi através deste conjunto de educadores que foi possível transformar o espaço escolar em instrumento de valorização da diversidade, da inclusão e da promoção da igualdade – nomeadamente igualdade racial. (Publicação CEERT 2004/2005, p.11)

Negação da diversidade racial brasileira na formação da equipe da escola

Ao observarmos o ambiente escolar podemos notar a escassez de profissionais negros, sejam palestrantes, médicos, psicólogos, escritores, etc. O que observamos nos dá margem a concluir que um número demasiado de pessoas brancas pode gerar estas conseqüências de processos seletivos permeados por preconceito e discriminação de profissionais negros. (Cavalleiro, Eliane.p.122)
Ao conviverem e notarem a falta destas referências de profissionais negros, pode de alguma forma interiorizar-se nos alunos que acabam por acharem “natural” a inferioridade intelectual da raça negra; estas observações acabam por favorecer este circulo vicioso da exclusão social do negro.
O sistema de cotas universitárias é uma das ações afirmativas que o movimento negro encontrou para pedir reparações há anos de racismo acadêmico e institucional, gerando, buscando assim, fomentar aos negros e negras uma possibilidade de igualdade em relação à formação acadêmica e produção teóricas que desmitifiquem a superioridade eurocêntrica e a inferioridade de negras e negros.
Sendo assim, é importante a adoção das cotas nas universidades brasileiras, pois, buscam uma educação igualitária e reparativa aos anos de exploração e expropriação da população negra de exercer e, buscar a construção da sua identidade neste país.
Educar para a Igualdade
Escutamos muitas vezes dos opositores das ações afirmativas argumentos que, o movimento negro não deve se ocupar do ensino superior e, sim ficar atento para a educação básica.
Estas afirmativas possuem uma inverdade e um falso dilema.Falso dilema é que uma reivindicação não exclui outra, ao contrário, se complementam, inclusive porque a educação básica não será capaz de dialogar positivamente com a diversidade humana enquanto o ensino superior – que prepara os professores – tiver uma orientação e uma composição enraizadamente euro e etnocêntricas. (Publicação CEERT 2004/2005, p.13);pode – se atestar esta inverdade dos opositores das ações afirmativas ao constatar que há décadas a questão da educação, ou mais , propriamente os serviços por ela prestados ao racismo e a discriminação racial, vem sendo priorizada pelos ativistas e pensadores negros brasileiros. (Publicação CEERT 2004/2005, p.13)
Através destas observações e das reivindicações do movimento negro é que o Ministério da Educação através do projeto de reforma universitária, vem contemplar as ações afirmativas, para que aja a execução de uma reforma na educação básica, onde o passo inicial deverá ser a extinção da herança etnocêntrica da pedagogia brasileira.
Muitas escolas e docentes atentos a esta reforma, já buscam implementar através de experiências de promoção da igualdade racial/étnica no ambiente escolar; experiências estas bem sucedidas tanto em sala de aula como no cotidiano das crianças, de jovens e de adultos.
Para reverter à situação de sofrimento a que parcela significativa de alunos negros vem sendo sistematicamente submetida nas escolas, se faz necessária transformar velhas práticas em novas alternativas, que concorram para a inclusão positiva desses alunos no sistema de ensino, garantindo, assim, seu direito à educação pública e de qualidade. Essa transformação inicia-se com a possibilidade de todos os alunos reconhecerem e aceitarem o grupo racial negro no espaço escolar – e na sociedade. (Cavalleiro, Eliane, 123).
A escola não deve silenciar-se diante da questão racial; os profissionais da educação não devem omitir-se desta situação problema e questionarem, para que assim consigam identificar, reconhecer e combater o racismo no espaço escolar, promovendo o respeito mútuo, o respeito ao outro, o reconhecimento das diferenças, a possibilidade de falar sobre as diferenças sem medo e sem preconceito (Cavalleiro, Eliane. p.124), pois o abismo racial que persiste no país, com altos níveis de desigualdade social e de crianças negras que ajudam a elevar as taxas de evasão escolar no segundo grau, seja pela questão do genocídio urbano, causado principalmente pelo tráfico de drogas, seja pelos extermínios das milícias, seja pelo trabalho informal que não permitem que o jovem tenha tempo para se dedicar a seus estudos, seja o trabalho infantil, etc; enfim, estes reflexos também são visíveis no debate das ações afirmativas, dentre elas o sistema de cotas, que provoca um debate nacional sobre, racismo versus assistencialismo, sendo assim, é preciso incorporar o estudo da história antiga da áfrica nos currículos escolares.
Tal é a importância da produção de livros didáticos – pedagógicos que façam um debate sobre a problemática do racismo e também que ilustrem uma África e a cultura afro-brasileira, seja, pelo MEC ou pelo mercado editorial; estes necessitam também, de um olhar menos etnocentrista de seus editores, para que escritoras/es negras e negros possam também serem focos de admiração da juventude negra, mas para, além disto, que negros e brancos tenham os mesmos direitos e acessos à políticas públicas e educação de qualidade.

Leila R. Lopes
Especialista em História Antiga da África;
Assessora Especial Coordenadoria Para Assuntos da Igualdade Racial do Distrito Federal;
Webdesigner e produtora Cultural

1 Oliva, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. En publicacion: Estudos Afro-Asiáticos, vol. 25 no. 3. CEAA, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, UCAM, Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, Brasil: Brasil. 2003 

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